No princípio, era a roda  de Roberto M. Moura?


Crítico musical, produtor e diretor de espetáculos musicais e jornalista de grande estirpe, Roberto M. Moura é um especialista em cultura popular, especialmente a carioca, e, mais precisamente, um profundo conhecedor do samba. Não um conhecedor apenas de cátedra – que isso, diga-se de passagem, ele também o é – mas um observador atento, apaixonado, do samba, o gênero musical, e, principalmente, de todas as relações presentes em sua origem e em seu entorno. Muitos bons trabalhos têm sido realizados sobre o ritmo, ou o conjunto de ritmos, brasileiro mais representativo. Muito tem se falado de sua trajetória, de sua origem, de seus baluartes. Mas nenhum deles aprofunda determinado aspecto, destrincha a sua essência, compreende a sua alma. É aí que está o grande diferencial de No princípio, era a roda.: um estudo sobre samba, partido-alto e outros pagodes. Neste livro definitivo, fruto de uma tese de doutorado em Música para a UNIRIO, ele parte do princípio de que a roda é anterior ao samba desde que este nasceu na casa de Tia Ciata, na Praça Onze, ganhou forma no Estácio e espalhou-se pelo subúrbio carioca ganhando feições diferentes.

Roberto M. Moura demonstra, seja através de suas pesquisas, de suas experiências pessoais, de que forma o sambista saiu de sua casa para criar nas escolas as continuações de seus quintais. Mostra, através de letras de Cartola, Paulinho da Viola, Carlos Cachaça, Nei Lopes, Monarco e outros baluartes, a relação afetiva, visceral que estes compositores mantiveram com suas respectivas escolas até serem deixados de lado em prol de interesses de bicheiros, emissoras de televisão e tudo o que cerca hoje o desfile das escolas de samba. Sempre recorrendo à oposição complementar entre casa e rua sugerida pelo antropólogo Roberto DaMatta, ele conta como as rodas de samba de terreiro, mais tarde chamado de samba de quadra, reproduziam as relações mais íntimas, profundas, e como os sambistas representavam a nata da escola, a intelectualidade “mesmo muitas vezes iletrados”, como lembram Nei Lopes e seu livro Sambeabá – o samba não se aprende na escola.

Através de um depoimento interessante de Monarco, ele exemplifica como, a partir do momento que as escolas passaram a representar a rua, com sua política de apadrinhamento, de troca de favores, virando uma instituição voltada para o dinheiro, o sambista passou a ficar cada vez mais distante, e foi procurar o seu ambiente, sempre em forma de roda de samba, em lugares como o Zicartola ou em espetáculos como o Rosa de Ouro e as noitadas de samba do Teatro Opinião. Não à toa o grande João Nogueira se afastou da Portela ao ser impedido de cantar um samba de meio de ano. Na ditadura das escolas, a partir de meados dos anos 60, só samba-enredo.

Menos pior que na lei própria e informal das rodas não há distinção. A hierarquia é respeitada não pelo sucesso ou pelo dinheiro que a pessoa tem, mas pela sua história dentro do samba. Curiosa também a forma como Roberto mostra o funcionamento de uma roda. A explanação sobre a maneira de se chegar numa reunião de bambas, de ser aceito como um par, de fazer parte deste universo como mais um morador da “casa” é perfeita. Coisa de quem fala de dentro. De quem, há muito, já foi aceito na roda. Enfim, a leitura de No princípio, era a roda.: um estudo sobre samba, partido-alto e outros pagodes, apesar de este ser fruto de uma tese de doutorado e de envolver aspectos etnológicos, sociológicos e antropológicos, é, antes de tudo, um passeio maravilhoso por toda a história do samba. Um papo informal, direto e rico, como o próprio ritmo. Poucos poderiam fazer uma obra tão completa, pois Roberto adora este trabalho de campo. Sua descrição da Festa da Penha, do quintal de Tia Ciata e do Cacique de Ramos é deliciosa, o que e faz pensar que, se antes do samba sempre existiu a roda, antes da primeira roda o mestre Roberto M. Moura já estava lá.

João Pimentel

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Este post foi publicado em 07/11/2017 às 11:34 dentro da(s) categoria(s): Estante do Professor, Publicações.
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