Proposta ignora realidade do cotidiano feminino
Hildete Pereira de Melo*
A Previdência Social nada mais é do que um espelho da vida ativa das pessoas. No entanto, a proposta do governo para a sua reforma ignora a dura realidade da vida cotidiana feminina: o trabalho invisível realizado no interior de suas casas, cuidando dos filhos e maridos, atividades que realizamos por “amor” a nossas famílias. Estamos cansadas de ter a igualdade na lei, mas não
na vida! E a única vantagem feminina deve ser suprimida pelo pretexto da nossa maior longevidade?
O mercado de trabalho continua desigual para as mulheres: aquelas que trabalham fora de casa recebem 30% menos para ocupações similares às exercidas pelos homens; temos as maiores taxas de desemprego; somos minorias nos cargos de chefia e direção, e finalmente assumimos as atividades do mercado de trabalho sem renunciar aos afazeres domésticos.
Joga-se debaixo do tapete o trabalho doméstico não remunerado que milhões de mulheres executam para a reprodução da vida. Todas, negras e brancas, acumulam a dupla jornada de trabalho: tanto no mercado de trabalho como na família, embora a jornada seja mais intensa para as negras. No Brasil, comparando os anos de 2004 e 2015, temos que a jornada masculina total (trabalho principal e afazeres domésticos) foi de 53,1 horas semanais (2004) e reduziu-se para 50,5 horas semanais (2015). As mulheres declararam, somando (trabalho principal e afazeres), 57,2 horas (2004) e 55,1 horas (2015). Contando-se apenas os serviços domésticos, são cinco horas a mais por semana: 20,5 para elas e 10 horas para eles. Triste sina! Ganhar menos no mercado de trabalho e acumular praticamente outra jornada cuidando da família! E não ter o pequeno privilégio de se aposentar mais cedo!
Como foi introduzida esta mudança? Há 50 anos foi outorgada a Constituição Federal de 1967 (24/01/1967). Esta Carta introduziu a diferenciação para o tempo de trabalho entre os dois sexos: até então mulheres e homens eram iguais na definição do tempo para requerer a aposentadoria. Não houve mudanças no marco egulatório da Previdência Social, apenas introduziu-se a diferença de tempo de trabalho entre os sexos. Seu texto afirma, no Art. 158,
inciso XX: “aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de rabalho, com salário integral”. Não havia uma proposta política do movimento de mulheres, ou de partidos políticos com esta demanda. Infelizmente, não foi possível esclarecer as origens do estabelecimento da diferenciação. Talvez tenha havido um pedido especial dos militares para essa redação? Não sabemos.
A proposta de reforma previdenciária justifica a igualdade entre os sexos afirmando que vivemos mais e que muitos países já igualaram o tempo requerido para aposentadorias. Parece desconhecer que aqueles que adotam o critério da equidade de aposentadorias têm políticas ativas de igualdade de gênero para compensar as diferenças entre os rendimentos por sexo. Nestes
países, a paridade não foi construída no abstrato.
Infelizmente o Brasil ainda está longe da tão sonhada igualdade entre mulheres e homens e em todas as nações as jornadas do trabalho pago feminino são menores que as masculinas, enquanto o tempo de trabalho não pago delas é superior ao deles. A luta feminista pela igualdade é uma realidade global, com condições melhores e piores em cada lugar.
*Doutora em Economia (UFRJ), coordenadora do Núcleo Transdisciplinar de Estudos de Gênero da UFF e Editora da Revista Gênero. Este artigo foi publicado na revista Tribuna do Advogado, OABRJ, ano XLVI, fevereiro de 2017.
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Este post foi publicado em
13/02/2017 às
12:00
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